segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ENGODO DEMOCRÁTICO


As democracias não se expressam, não se traduzem apenas pelo voto. A Alemanha nazista ascendeu pelo voto. O fascismo, na Itália, também. Em nenhuma das circunstâncias históricas havia o menor sinal, o menor laivo, a mais remota aparência de democracia. No Brasil do regime militar, sempre houve eleições para cargos parlamentares. Não havia, porém, democracia, a não ser uma tal democracia relativa, palavrão que inventaram para chancelar censura, torturas e cassações de mandatos, entre outras coisas.


Na Venezuela, Hugo Chávez está aferrado ao poder. Chegou lá pelo voto. De lá que não quer sair - também pelo voto. Ali não existe democracia. Existe uma ditadura que se vale dos instrumentos democráticos para tentar um disfarce. Por lá também impera a censura. Jornalistas opositores não apenas são ameaçados como são tratados, literalmente, à base de porretes.O Estado de Direito é o suporte das democracias. O Estado Democrático de Direito, este sim, é capaz de instalar um ambiente em que a equivalência de poderes permite até mesmo a quem não tem poder, como o cidadão comum, o pleno exercício de direitos que expressem legitimamente a representatividade popular.


Se assim não for, teremos expostos verdadeiros engodos democráticos, ou democracias de faz de conta, que servem de máscaras para esconder tiranias - escancaradas ou nem tanto.A Rússia tem sido um caso emblemático de país que ingressa aceleradamente na zona cinzenta - e portanto perigosa - que subverte os valores democráticos e os transforma em valores que alimentam os podres e ilegítimos poderes de governantes.Recentemente, milhares e milhares de pessoas têm tomado as ruas das principais cidades da Rússia, inclusive Moscou, a capital.


Os manifestantes reclamam de monstruosas, indisfarçáveis fraudes. Urnas foram entupidas de votos antes mesmo de começar a eleição. Em algumas seções, foramcaptadas imagens de mesários preenchendo cédulas eleitorais. Um escândalo.As fraudes nas eleições parlamentares permitiram ao Partido Rússia Unida, do primeiro-ministro Vladimir Putin, manter uma supremacia que, se não é mais tão ampla, ainda é expressiva.O que faz o governo democrata de Putin? Em relação aos críticos internacionais, praticamente os manda calar a boca, porque não teriam o direito sequer de dar um pitaco em relação a crimes eleitorais configurados.


Em relação aos opositores, ordena que sejam presos. E milhares, de fato, têm ido para a cadeia nos últimos dias, desde que os protestos começaram a aumentar. Em relação às fraudes em si, o presidente russo, Dmitri Medvedev, mandou abrir inquérito para investigar as denúncias. Ele considera, no entanto, que as malfeitorias não foram de tal dimensão, a ponto de justificar a anulação das aleições parlamentares.Ninguém sabe como é que o presidente russo tem tanta certeza disso. Ninguém tem o menor conhecimento dos elementos de que dispõe para fazer tal afirmativa.


Mas todos têm absoluta certeza de que não se pode apostar na veracidade dos juízos do presidente da Rússia, eis que ele próprio tem interesses políticos diretamente vinculados ao resultado da disputa parlamentar, decisiva para o próximo pleito, que vai eleger o sucessor do próprio Medvedev. Da mesma forma, não se pode considerar como plausível a irresignação do governo russo diante das críticas que vem recebendo de países verdadeiramente democráticos.


Externar repulsa às fraudes eleitores ocorridas na Rússia nada mais é do que conferir relevância ao peso do país no concerto das nações. E se faz necessário, além disso, para mostrar com clareza a distinção entre democracias genuínas e as que usam disfarces, fraudando eleições e corrompendo os valores democráticos de forma escandalosa e, portanto, inaceitável.

Fonte: O Liberal

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