segunda-feira, 2 de julho de 2012

ESCOLA CEREBRAL

"A natureza humana é feita de corpo, mente e sonhos. E mais algumas coisas que estamos para descobrir num milênio próximo. Para a escola, o ser humano é feito de um cérebro vivo e um corpo morto". Como diz o meu cunhado, nascemos carecas, pelados e ignorantes. Cada vez que uma criança vem à luz, tem de fazer um novo reconhecimento do universo, uma nova constatação das possibilidades humanas. Seria tão bom se o conhecimento passasse de pai para filho através do sangue, dos genes! Não precisaríamos passar tantos anos sofrendo essas dores do aprendizado. Nasceríamos cada vez mais preparados para usufruir as graças da Natureza, da cultura e da ciência. A escola está aí para facilitar esse processo, mas parece que as coisas não estão funcionando a contento também ali, no centro repassador de conhecimentos. Como qualquer outra instituição, a escola começa acreditando numa idéia, e depois apresenta uma terrível dificuldade para livrar-se dela, ou para estendê-la ao alcance de outras idéias mais elaboradas. A escola ocidental trabalha há séculos na firme convicção de que o único aprendizado possível ocorre no cérebro. Apesar de toda a retórica em torno da necessidade de praticar-se a “interdisciplinariedade”, ou mais, a “transdisciplinariedade” (palavras que enchem a boca dos acadêmicos), os nossos estudiosos parecem ignorar que a criatura humana realiza-se em muitas outras disciplinas além das escolares, ou que a estrutura humana é muito mais complexa do que essa lógica simplista em que está baseada a cultura ocidental. A natureza humana é feita de corpo, mente e sonhos. E mais algumas coisas que estamos para descobrir num milênio próximo. A maior dificuldade dos professores em sala de aula é convencer os alunos de que a substância intelectual que tentam lhes enfiar na cabeça é melhor que o sorvete, o beijo, o perfume, a música, a paisagem. O conhecimento “lógico”, no qual nos baseamos desde Sócrates, costuma ser árido, salgado, azedo, desagradável. É natural que o jovem recuse, pois, naturalmente, quer o melhor para si. A opção pelo cérebro acontece devido à sua qualidade de distinção, que dá aos homens o poder sobre as outras criaturas. Se é o intelecto que destaca o homem, concentremo-nos nele. Mas a partir dessa prática, nossos sentidos corporais estão tornando-se cada vez mais atrofiados. Ilude-se quem pensa que “os estudantes de hoje só pensam prazer, prazer!”. O prazer que eles estão fruindo é extremamente conceitual, intelectualizado. Poucos descem os degraus da civilização para colher os frutos selvagens, as verdadeiras delícias, a torta da maçã de Eva! Quando se trata do corpo, a escola sabe instruir os alunos a fazerem ginástica para aprimorar os músculos, e pouco mais do que isso. Preferimos esquecer que todo conhecimento, antes de chegar ao caldeirão cerebral, passa pelos sentidos físicos. Isto é óbvio, um conhecimento tão antigo quanto a nossa civilização. Porém, qual escola tem-se empenhado em ajudar os garotos a reconhecer, a desvendar e a promover sua sensibilidade corporal? No máximo, fala-se da estrutura das papilas gustativas, da fisiologia dos olhos, dos labirintos auditivos. Mas onde está o professor que ensina ao aluno a maravilha do olhar? Qual mestre leva para a sala uma vitrola (perdão, um micro system) para escutar Mozart, Villa Lobos? Limitamos nossos sentidos ao que eles nos dão cotidianamente. Ouvimos distraidamente uma música no rádio, ou passamos o dia decifrando as conversas dos outros. Sentimos o perfume de um jardim distante e sequer tentamos descobrir qual flor o emana. Ou simplesmente deixamos a cargo de uma violenta publicidade decidir qual produto do boticário será mais agradável ao cérebro do parceiro do sexo oposto. Mas a disciplina do olfato, onde está? Os garotos aprendem que nariz e cérebro em conjunto decifram a imensa gama de aromas, mas não têm o privilégio de descobrir a impressionante ciência da perfumaria, as misturas dos odores, a importância do sentido do olfato na fixação da memória. Para a escola, o ser humano é feito de um cérebro vivo e um corpo morto. Quando se fala de educação sexual, toma-se o cuidado de explicar aos pequenos os nomes científicos dos genitais — já que os apelidos desses órgãos, como os garotos os conhecem cotidianamente, é “besteira”, para não dizer “pecado”! Também se fala sobre a prevenção de doenças, as funções reprodutoras, mas ninguém comenta ou discute com a gurizada o prazer — ou o desprazer — do ato sexual. Qual revolucionário mestre um dia terá a coragem de pronunciar o verbo “gozar” em sala de aula? Ah, sim, ele teria de se ver com a diretoria, então, melhor deixar quieto. A diretoria só aprova se falar de sofrimento, o clímax previsto pelo livro sagrado. Eis aí um debate a ser redescoberto, valorizado. Há muito tempo sabemos que a função sexual, quando reprimida, leva a grandes desastres pessoais. E ninguém ignora que pessoas de treze anos em diante estão muito mais interessadas nos lábios, nos cabelos e nas pernas do(a)s colegas que na resolução dos enigmas matemáticos. A verdade está aí, diante dos nossos olhos, mas preferimos escondê-la sob o manto do pudor e a religiosidade. Dias atrás, encontrei meu antigo professor de 2o Grau, Pedro C. Está aposentando-se e diz que deixa a escola com uma dor no coração. “O plano dos americanos deu certo”, lamentou. “Conseguiram transformar o ensino brasileiro num lixo”. Pedro recordou os anos 60, quando o governo americano enviou alguns "sábios" para ajudar na estruturação do ensino brasileiro. Eles conseguiram, a longo prazo, fazer do Brasil uma nação cujos professores não lêem. Quando muito, lêem jornais, ou os estéreis livros didáticos, que apresentam análises resumidas dos autores originais. Raramente encontramos um professor que busque na fonte. Ainda mais raramente conhecemos um professor que leia romances, crônicas, poesias, essas “coisas” descartáveis, que costumavam transformar de forma tão poderosa as nossas vidas. Por Chico Guil Fonte Carta Maior