quarta-feira, 28 de março de 2012

A EXAUSTÃO DO MÉTODO


Engana-se quem, em razão da troca das lideranças no Congresso Nacional, acredita na mudança filosófica do governo federal. Engana-se ainda mais quem, por causa disso, vislumbra rompimento entre Dilma Rousseff e Lula e a engenharia política do governo anterior. Lula segue como o principal conselheiro da presidente e bobagem será procurar fraturas nesse relacionamento. O ex-presidente sabe que aquilo que um dia foi sólido pode perfeitamente desmanchar-se no ar, com o tempo, com o processo, com o uso. O que se passa, portanto, está longe de uma mudança de 180 graus ou coisa que o valha.

O que há, de fato, é a exaustão natural de um método e de procedimentos que nos trouxeram até aqui, mas que agora sofrem abalos e pedem repactuações. Mais útil, então, será compreender mais esta crise e as eventuais mudanças por ela geradas como o esgarçamento de acordos e relacionamentos firmados no pós-mensalão. Acordos que deram a reeleição a Lula e a sucessão a Dilma; que atraíram o PMDB e contiveram parcelas do PT desde sempre impacientes por, de direito e de fato, assumir o poder - e controlar os meios e dar as cartas.
 

O que se exaure é o modelo de governabilidade baseado na conciliação de interesses distintos e divergentes por meio da distribuição de espaços e recursos públicos. Escasseiam esses espaços e recursos e logo se deteriora o pacto. E não há mais a sedução presidencial - de Lula -, a conversa ao pé do ouvido, o receber em palácio, o tapinha nas costas, as metáforas de futebol e as promessas de que tudo se acerta, no futuro. Não é o estilo de Dilma e há mesmo uma impossibilidade: sedução e metáforas não resolvem tudo.
 

O presidencialismo de coalizão não é em si um mal; trouxe-nos até aqui, mas sua natureza expansiva e voraz não aceita limites. Oito anos de Lula, um ano e tanto de Dilma e todo o espaço, por diminuto que fosse, foi ocupado e os recursos, consumidos. A corrida das eleições municipais - na busca por maior cacife e melhor colocação em 2014 - aguça contradições e conflitos internos. A oposição é, antes de tudo, interna - a outra, a institucional, praticamente não existe.

 
O "é dando que se recebe" de Roberto Cardoso Alves chega ao paroxismo: quando nada mais há para dar, o que se recebe é ressentimento. As fontes secam, as verbas mínguam; os esquemas se esbarram, se confundem e mutuamente se anulam. A política assume sua face de "guerra por outros meios". O mal-estar é óbvio. O Brasil ainda não deu certo. Não o compreende quem não quer.
 

Oito anos de Lula, um ano e pouco de Dilma e a base só fez crescer. O triunfalismo estabeleceu-se; o adesismo fundiu-se, agigantou-se e perdeu mobilidade, unidade, organicidade. As margens de ação estreitaram-se, a voracidade naturalmente se transformou em autofagia: os mais vivos comem os menos vivos. Evidencia-se o equívoco: é impossível fugir do Congresso, sonegar-lhe a agenda, evitar a sua pressão. Estratégias individuais assumem lógica coletiva e, por sobrevivência, o Parlamento formaliza sua própria agenda, a negativa!

 
O Estado não consegue expandir-se na velocidade do apetite fisiológico. Onde o produto interno bruto (PIB) caminha a passo de cágado e o medo da volta da inflação impõe comedimento fiscal, há escassez e tergiversação: os garçons apenas anotam pedidos. Nesse contexto, Romero Jucá e Cândido Vaccarezza se equilibravam, malabaristas de um jogo lancinante. Mas haja destreza para lidar com tantos marimbondos de fogo.
 

No impasse, Jucá viu-se obrigado a escolher o senhor a quem se devotar. Voltou para o leito de Renan Calheiros e José Sarney. Já Vaccarezza atordoado estava e atordoado ficou, caminhando descalço sobre o fio da navalha de um PT dividido. Jucá e Vaccarezza, seus grupos, também saberão a hora de dar o troco.

 
Os novos líderes, Eduardo Braga e Arlindo Chinaglia, podem facilitar a interlocução, são sangue novo e promessa de novos ares, têm um estoque de palavras a empenhar. Mas quem representarão? O governo ou as demandas? Dilma resolveu medir forças com a parcela mais voraz, articulada e astuta da base. Dará resultado? Os adversários têm mais paciência e experiência do que a presidente e são também menos pressionados. A voracidade nunca se farta: em vez de atender a ela ou enganá-la, melhor seria eliminá-la.

 
Há neste governo, porém, dois problemas crônicos que compõem um verdadeiro enigma: falta-lhe a base coesa e programática, fiel e disposta a defender uma agenda; mas carece também de uma agenda clara e politizada, que aponte rumos e garanta o que se conquistou nos últimos 20 anos; uma agenda capaz de persuadir e/ou coagir a base, dando-lhe coesão e rumo programático. O que vem primeiro, a base ou a agenda?

 
A despreocupação programática, a inexistência de agenda e a conciliação são terrenos férteis para a corrosão fisiológica. E isso, é claro, compromete qualquer esforço de unir e orientar a base. A capitulação quanto às reformas não apenas implica a fragilização do desenvolvimento econômico, como também fortalece interesses individuais, reafirma o oligarquismo e o status quo. No Brasil de hoje - e isso não é responsabilidade exclusiva da presidente Dilma - há, lamentavelmente, um vazio de criatividade e de ímpeto da liderança. Pragmatismo em excesso é uma praga.
 

O círculo é vicioso, do tipo "o ovo ou a galinha". Ou o tal "enigma de Tostines": vende mais porque está sempre "fresquinho" ou o contrário? Provavelmente o biscoito venda porque se acredita que esteja fresquinho - o que faz com que venda mais, mantendo-se fresquinho. A liderança implica reverter o círculo; em algum grau, a crença, a ousadia, projeto e a utopia são imprescindíveis. Duelar com ideias pode ser uma luta vã, mas ao menos mobiliza sonhos e forja caracteres; escreve outra história. Sem isso tudo perde o frescor.

Por: Carlos Melo
*Cientista político, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é autor de 'Collor, o ator e suas circunstâncias'. E-mail: Carlos.melo@insper.edu.br
Fonte: Estadão

LIBERDADE DE IMPRENSA


A censura volta a dar as caras em nosso país. Dessa vez não está sendo imposta pelos militares e sim por juízes que recentemente vem censurando jornalistas como aconteceu com Lúcio Flávio Pinto e mais recentemente com Franssinete Florenzano.
Fica minha solidariedade a todos os jornalistas, blogueiros e todos aqueles que se expressam e que são tolidos seja pela justiça ou por governos opressores.

Abaixo texto de Franssinete Florenzano.

O vice-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, no Fórum sobre Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário, na Sala de Sessões da Primeira Turma do STF, no painel “O Brasil sem Lei de Imprensa”, lembrou as razões que levaram a Suprema Corte a suspender a aplicação da Lei de Imprensa no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, em abril de 2009, quando o STF considerou a Lei 5.250/67 incompatível com a Constituição Federal de 1988.

Faço minhas as palavras do ministro, futuro presidente do STF:

“Não há opção diferente daquela que seguramente fez o nosso Magno Texto Republicano: consagrar a plenitude de uma liberdade tão intrinsecamente luminosa que sempre compensa, de muito, de sobejo, inumeravelmente, as quedas de voltagem que lhe infligem profissionais e organizações aferrados a práticas de um tempo que estrebucha, porque já deu o que tinha de dar de voluntarismo, chantagem, birra, perseguição.

Esparsas nuvens escuras a se esgueirar, intrusas, por um céu que somente se compraz em hospedar o sol a pino. Exceção feita, já o vimos, a eventuais períodos de estado de sítio, mas ainda assim “na forma da lei”. Não da vontade caprichosa ou arbitrária dos órgãos e autoridades situados na cúpula do Poder Executivo, ou mesmo do Poder Judiciário.

Verbalizadas tais reflexões e fincadas estas primeiras interpretações da Magna Carta Federal, também facilmente se percebe que a progressiva inafastabilidade desse dever da imprensa para com a informação em plenitude e sob o timbre da máxima fidelidade à sua base empírica é que passa a compor o valor social da visibilidade.

Nova categoria de direito individual e coletivo ao real conhecimento dos fatos e suas circunstâncias, protagonismos e respectivas motivações, além das ideias, vida pregressa e propostas de trabalho de quem se arvore a condição de ator social de proa, principalmente se na condição de agente público.

Visibilidade que evoca em nossas mentes a mensagem cristã do “conheceis a verdade e ela vos libertará” (João, 8:32), pois o fato é que nada se compara à imprensa como cristalina fonte das informações multitudinárias que mais habilitam os seres humanos a fazer avaliações e escolhas no seu concreto dia-a-dia.

Juízos de valor que sobremodo passam por avaliações e escolhas em período de eleições gerais, sabido que é pela via do voto popular que o eleitor mais exercita a sua soberania para a produção legítima dos quadros de representantes do povo no Poder Legislativo e nas chefias do Poder Executivo. Mais ainda, visibilidade que, tendo por núcleo o proceder da Administração Pública, toma a designação de “publicidade” (art. 37, caput, da CF). Publicidade como transparência, anote-se, de logo alçada à dimensão de “princípio”, ao lado da “legalidade”, “impessoalidade”, “moralidade” e “eficiência”. Sendo certo que a publicidade que se eleva à dimensão de verdadeira transparência é o mais aplainado caminho para a fiel aplicação da lei e dos outros três princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade na Administração Pública.

Daqui já se vai desprendendo a intelecção do quanto a imprensa livre contribui para a concretização dos mais excelsos princípios constitucionais. A começar pelos mencionados princípios da “soberania” (inciso I do art. 1º) e da “cidadania” (inciso II do mesmo art. 1º), entendida a soberania como exclusiva qualidade do eleitor-soberano, e a cidadania como apanágio do cidadão, claro, mas do cidadão no velho e sempre atual sentido grego: aquele habitante da cidade que se interessa por tudo que é de todos; isto é, cidadania como o direito de conhecer e acompanhar de perto as coisas do Poder, os assuntos da pólis.

Organicamente. Militantemente. Saltando aos olhos que tais direitos serão tanto melhor exercidos quanto mais denso e atualizado for o acervo de informações que se possa obter por conduto da imprensa (contribuição que a Internet em muito robustece, faça-se o registro).

Esse direito que é próprio da cidadania – o de conhecer e acompanhar de perto as coisas do Poder, e que a imprensa livre tanto favorece - nós mesmos do Supremo Tribunal Federal temos todas as condições para dizer da sua magnitude e imprescindibilidade. É que a própria história deste nosso Tribunal já se pode contar em dois períodos: antes e depois da “TV Justiça”, implantada esta pelo então presidente Marco Aurélio. TV Justiça a que vieram se somar a TV digital e a “Rádio Justiça” (criações da ministra Ellen Gracie, à época presidente da Corte), para dar conta das nossas sessões plenárias em tempo real. O que tem possibilitado à população inteira, e não somente aos operadores do Direito, exercer sobre todos nós um heterodoxo e eficaz controle externo, pois não se pode privar o público em geral, e os lidadores jurídicos em particular, da possibilidade de saber quando trabalham, quanto trabalham e como trabalham os membros do Poder Judiciário. Afinal, todo servidor público é um servidor do público, e os ministros do Supremo Tribunal Federal não fogem a essa configuração republicana verdadeiramente primaz.

Também deste ponto de inflexão já vai tomando corpo a proposição jurídica de que, pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Falo da democracia como categoria jurídico-positiva (não simplesmente filosófico-política), que em toda Constituição promulgada por uma Assembleia Constituinte livremente eleita consubstancia o movimento, o fluxo ascendente do poder de governar a pólis; quer dizer, o poder de governar toda a coletividade como aquele que vem de baixo para cima, e não de cima para baixo da escala social.

(...)Avanço na tessitura desse novo entrelace orgânico para afirmar que, assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. Até porque essas duas categorias de liberdade individual também serão tanto mais intensamente usufruídas quanto veiculadas pela imprensa mesma (ganha-se costas largas ou visibilidade – é fato -, se as liberdades de pensamento e de expressão em geral são usufruídas como o próprio exercício da profissão ou do pendor jornalístico, ou quando vêm a lume por veículo de comunicação social). O que faz de todo o capítulo constitucional sobre a comunicação social um melhorado prolongamento dos preceitos fundamentais da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão em sentido lato.

A Constituição proclama que (...) “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (inciso XIV). Discurso libertário que vai reproduzir na cabeça do seu art. 220, agora em favor da imprensa, com pequenas alterações vocabulares e maior teor de radicalidade e largueza. Confira-se:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

É precisamente isto: no último dispositivo transcrito a Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala:
a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação;
b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. Requinte de proteção que bem espelha a proposição de que a imprensa é o espaço institucional que melhor se disponibiliza para o uso articulado do pensamento e do sentimento humanos como fatores de defesa e promoção do indivíduo, tanto quanto da organização do Estado e da sociedade.

Plus protecional que ainda se explica pela anterior consideração de que é pelos mais altos e largos portais da imprensa que a democracia vê os seus mais excelsos conteúdos descerem dos colmos olímpicos da pura abstratividade para penetrar fundo na carne do real. Dando-se que a recíproca é verdadeira: quanto mais a democracia é servida pela imprensa, mais a imprensa é servida pela democracia. Como nos versos do poeta santista Vicente de Carvalho, uma diz para a outra, solene e agradecidamente, “Eu sou quem sou por serdes vós quem sois”.

Se se prefere, vigora em nosso ordenamento constitucional uma forma de interação imprensa/sociedade civil que não passa, não pode passar pela mediação do Estado. Interação que pré-exclui, portanto, a figura do Estado-ponte em matéria nuclear ou axialmente de imprensa. Tudo sob a ideia-força de que à imprensa incumbe controlar o Estado, e não o contrário, conforme ressalta o jornalista Roberto Civita, presidente da Editora Abril e editor da revista VEJA, com estas apropriadas palavras: “Contrariar os que estão no poder é a contrapartida quase inevitável do compromisso com a verdade da imprensa responsável”.

Outra não podia ser a escolha da nossa Lei Maior, em termos operacionais, pois sem essa absoluta primazia do que temos chamado de sobredireitos fundamentais sobejariam falsas desculpas, sofismas, alegações meramente retóricas para, a todo instante, crucificá-los no madeiro da mais virulenta reação por parte dos espíritos renitentemente autoritários, antiéticos, ou obscurantistas, quando não concomitantemente autoritários, antiéticos e obscurantistas. Inimigos figadais, por consequência, da democracia e da imprensa livre.” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009.) No mesmo sentido: Rcl 11.305, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 20-10-2011, Plenário,DJE de 8-11-2011; AI 684.535-AgR-ED, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 14-5-2010. Vide: ADI 4.451-MC-REF, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-9-2010, Plenário, DJE de 1º-7-2011. (grifei)

Todo agente público está sob permanente vigília da cidadania, é direito do cidadão saber das coisas do poder, ponto por ponto. À imprensa cabe, sim, denunciar e dar ampla cobertura, e ao Poder Judiciário proteger a sociedade, que precisa e deve ter seus direitos preservados e defendidos.

Franssinete Florenzano - Jornalista e Advogada
Fonte: http://uruatapera.blogspot.com.br/