sexta-feira, 30 de setembro de 2011

OS PRÓXIMOS PASSOS DA REVOLUÇÃO EGIPCIA


O Egito é hoje um laboratório de ideias e de ação social. Há, na jovem sociedade egípcia, algo muito denso, estremecedor, uma espécie de fé coletiva na ação comum, na iniciativa. Persiste uma lúcida desconfiança em relação ao sistema político, mas, aqui, cada voz é uma idéia, cada dia um sonho distinto, cada mão uma vontade irrevogável de defender o que foi conquistado mediante a ação coletiva com um único fim: a liberdade. O artigo é de Eduardo Febbro.

A revolução da Praça Tahrir já tem o primeiro horizonte democrático aberto. Após meses de protestos e bloqueios contra a demora com que a junta militar no poder organizou os passos legais da transição democrática logo após a derrubada do presidente Hosni Mubarak, em 11 de fevereiro, o Conselho Supremo da Forças Armadas (CSFA) colocou o calendário eleitoral sobre a mesa com um processo que terá quatro etapas. A primeira foi fixada para o próximo dia 28 de novembro. Nesse momento, serão eleitos os representantes da Assembleia do Povo (Câmara baixa), dois terços dos quais virão de listas fechadas e o restante de listas abertas. A segunda etapa ocorrerá com a eleição da Shura, a Câmara Alta, no dia 29 de janeiro. Depois, ocorrerá a redação de uma nova Constituição e, até o final de 2012, as eleições presidenciais.

A junta terminou por ceder à pressão da rua pela demora em tornar tangíveis as conquistas da revolução que estourou no dia 25 de janeiro deste ano. « Queriam nos anestesiar com promessas, divagações e, além disso, nos furtar a Revolução com uma agenda eleitoral totalmente inadequada para o Egito de hoje. Esta é só uma primeira greve, ainda falta muita coisa », diz Ibrahim Ahlal, um dos muitos professores que participa da greve que paralisou a educação egípcia. O « falta muita coisa » é muito mesmo, e levará semanas para que a Praça Tahrir seja de novo a caixa de ressonância da contestação. Ainda que os meios de comunicação internacionais tenha relegado o Egito a um quarto plano, a sociedade que se levantou no início do ano segue em pé. O Egito pós-Mubarak é um comovedor conjunto de iniciativas cidadãs, de movimentos sociais, de grupos de jovens, de sindicalistas independentes, de blogueiros e de comitês populares que vão desenhando um país distinto contra uma classe política que busca recuperar uma revolução em seu próprio benefício.

Um grafite pintado há uma semana em uma das ruas que conduz à Praça Tahrir revela o espírito de desconfiança que há entre a juventude revolucionária : « O povo quer que o próximo presidente da República se vá ».

Os setores em greve são numerosos. Empregados da companhia de transporte público do Cairo e de Alexandria, médicos dos hospitais públicos, trabalhadores dos portos do Mar Vermelho, bancários, todos lutam por melhorias nas condições de trabalho e aumentos de salário em um contexto de gargalo financeiro para o Estado. O governo enfrenta um dos maiores déficits da história e enfrenta as consequências de um crescimento que passou de 6% para 2%.

As organizações laicas de esquerda e os movimentos de jovens militantes reclamam, por sua vez, um panorama eleitoral equitativo e o cumprimento das promessas mais substanciais feitas pelos dirigentes da transição, ou seja, as medidas que o povo reivindicou na Praça Tahrir durante a revolução, em especial as de ordem social, salário mínimo decente, e as que dizem respeito aos ideais mais genuínos da revolução de janeiro, em especial o ideal da justiça : prisão dos policiais implicados na violência sem limites contra os manifestantes, fim dos julgamentos de civis em tribunais militares, eliminação do dispositivo jurídico herdado do antigo regime que fecha o caminho para a liberdade política, a criação de partidos políticos, a liberdade de expressão, assim como a promulgação de uma lei contra a traição a fim de purgar a administração pública. A estes anseios soma-se outro, expresso de maneira forte pela opinião pública : o reexame dos acordos de paz de Camp David firmados entre Egito e Israel em setembro de 1978.

Este novo Egito ainda espera por nascer. « A única coisa realmente concreta até agora são os julgamentos dos caciques do antigo regime, o resto está em estágio de espera », diz Ahmed Ezzat, o coordenador dos comitês populares para a defesa da Revolução, que promete sem ambiguidades que, se o espírito da revolução não se configurar, « cada bairro do país será uma nova Praça Tahrir ».

O principal problema que a geração revolucionária tem hoje é o papel da Irmandade Muçulmana. Os islamistas estão muito mais organizados e muito mais presentes que os movimentos laicos que já existiam – Wafd, Ghad ou a Frente Democrática – e inclusive que o Movimento 6 de abril que nasceu no Facebook e esteve a frente dos protestos de 2008 . A Irmandade está muito bem estruturada, tem o acúmulo de 60 anos de uma sólida rede ação social da qual carecem os movimentos revolucionários. Nos subúrbios do Cairo, o grupo exibe uma presença eficaz : a Irmandade Muçulmana dirige bancos, hospitais, consultórios médicos, oferece escolas grátis e está à frente de numerosas associações de caridade.

O governo estima que a Irmandade soma engtre 3 e 4 milhões de pessoas. O cálculo do número dois da Irmandade, Rashad al-Bayoumi, talvez seja o mais realista : não sabemos quantos somos, não contamos. Sabemos que estamos em todas as partes, em cada povoado, em cada cidade, em cada rua ».

Os dados da segunda fase do processo estão lançados. Partidos políticos tradicionais, novos movimentos, partidos marginalizados pelo regime deposto, grupos e alianças em criação. O Egito é hoje um laboratório de ideias e de ação social. Há, na jovem sociedade egípcia, algo muito denso, estremecedor, uma espécie de fé coletiva na ação comum, na iniciativa. Persiste uma lúcida desconfiança em relação ao sistema político, mas, aqui, cada voz é uma idéia, cada dia um sonho distinto, cada mão uma vontade irrevogável de defender o que foi conquistado mediante a ação coletiva com um único fim: a liberdade.


Eduardo Febbro - Direto do Cairo
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

BELO MONTE: O PARÁ COLÔNIA



A notícia caiu como uma bomba mesmo sobre setores que acham que a hidrelétrica de Belo Monte é sinal de desenvolvimento no Pará. Os grupos encarregados da obra compraram algo entre R$ 50 mi e R$ 1,3 bi em máquinas e equipamentos em outros estados.

Logo algumas autoridades do estado protestaram. Com razão. Ameaçaram barrar a entrada das máquinas se não houver pelo menos o pagamento da diferença do ICMS. Com razão também. Mas é o máximo que podem exigir: uma parcela do imposto. A outra já está nos cofres de estados como São Paulo e Espírito Santo.

Esse fato merece reflexão. Ele é o oposto da propaganda feita pelos arautos de Belo Monte desde os tempos da ditadura militar, quando o projeto foi concebido. Seus mentores sempre disseram que o Pará iria ganhar muito com o barramento do rio Xingu. A começar pelos imposto arrecadados.

O principal imposto nesses casos – o ICMS – não é cobrado na geração de energia, mas sim no consumo. Como o Pará será o destino de apenas 3% da energia de Belo Monte – se tanto –, nota-se que 97% da energia produzida aqui deve gerar dinheiro para os cofres públicos de outros Estados.

Segundo o próprio Diário do Pará informou recentemente, um cálculo ligeiro projeta em valor próximo de R$ 2 bilhões anuais o montante das perdas com ICMS que o Pará vai experimentar com a usina do Xingu.

Ao Pará sobraria o imposto pela compra de equipamentos na fase de construção da usina. Embora não seja uma receita mensal como o consumo de energia, poderia significar dinheiro para atender gestantes prestes a dar à luz em portas fechadas de maternidades. Mas, com a compra dos equipamentos em outros estados, nem isso sobrou ao Pará.

Os primeiros atos dessa ópera trágica que é Belo Monte em todos os sentidos – ambiental, social e econômico – mostram que somos colônia. Estamos longe da independência, apesar de termos contribuído no ano passado com US$ 12 bi para o saldo da balança comercial brasileira. Somos o segundo maior estado em volume de divisas para o Brasil.

Aos olhos dos setores da sociedade paraense que promovem o modelo socioambiental de desenvolvimento não há nada de novo. Quem vive da exploração sustentável dos recursos da floresta pode repetir o dito popular: está tudo como dantes no quartel de Abrantes.

A floresta vira carvão para alimentar os fornos das guseiras. Ou soja apara alimentar os porcos da Europa. Ou pasto para formar a ineficiente equação de um boi/hectare. Ou é inundada para produzir energia para empresas de outros países...

Nesse dia da independência do Brasil, Belo Monte nos ajuda a entender como vamos nos tornando cada vez mais colônia. A banda de rock paraense dos anos 80 Mosaico de Ravena já perguntava: “Por que ninguém nos leva a sério? Só o nosso minério?”.

Muito tempo se passou desde que os cabanos fizeram sua revolta contra a exploração, mas talvez seja um pouco do espírito de resistência deles que ande nos faltando nesses tempos tão modernos.


Felício Pontes Jr.
(artigo publicado pelo Diário do Pará em 07/09/11)
O autor é procurador da República no Pará e Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.

XINGU VIVO


O Movimento Xingu Vivo para Sempre reagiu com seriedade, mas em tom irônico, ao Relatório de Inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e aos comentários do jornalista Paulo Henrique Amorim, publicados na semana passada no seu blog “Conversa Afiada”, arrolando organismos internacionais que se opõem à construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu, na altura de Altamira, no Pará.

Campanhas contra a construção de Belo Monte têm disseminado, no Brasil e no exterior, “posicionamento ideológico maniqueísta, norteado por suas sedes internacionais, que vislumbram o projeto de Belo Monte como símbolo internacional de um conflito recorrente entre os governos e seus interesses no desenvolvimento social e econômico de um lado e as sociedades tradicionais e indígenas e seus interesses na defesa dos direitos humanos e do meio ambiente de outro”, constata o relatório da Abin.

O relatório sigiloso da Abin é “patético” porque as verdades que ele arrola “são mais do que públicas”. Estão no sítio web do Movimento que são seus parceiros e apoiadores. “Não precisava o governo gastar dinheiro dos contribuintes com essa ‘investigação’”, diz nota do Xingu Vivo. “Constrangedoras, porém, são as mentiras pelas quais o contribuinte também paga”, agrega.

O Movimento desafia a Abin a comprovar que recebe apoio de governos. O Relatório de Inteligência 0251/82260/ABIN/GSIPR/9 MAIO 2011 arrola um por um organismos que apoiam com algum tipo de recurso o Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Mas, contrapõe a nota do movimento, os arapongas da Abin, que se limitaram a fazer pesquisas no Google, esqueceram de listar entre os apoiadores o Painel de Especialistas, a Associação Brasileira de Antropologia, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, departamentos da Universidade de São Paulo, da Universidade Estadual de Campinas, da Universidade de Brasília.

O jornalista Paulo Henrique Amorim frisa que Belo Monte será a terceira maior hidrelétrica do mundo, “que não vai alagar uma única moradia, um puxadinho, uma lavoura de indígena brasileiro”. O Movimento Xingu Vivo convidou Paulo Henrique a visitar Altamira para subsidiar suas opiniões.

Paulo Henrique comentou, no Conversa Afiada, que a oposição a Belo Monte favorece interesses não-brasileiros. Xingu Vivo pergunta o que tem de brasileiro a Alcoa, Cargill, Bunge, ADM, Monsanto, “beneficiários da usina e das mudanças das leis ambientais?”

*A informação é da Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

FIFA IMPÕE MUDANÇA NAS LEIS BRASILEIRAS


O senador Randolfo Rodrigues (PSOL-AP) protocolou nesta quarta-feira (28/09) um convite ao presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira, ao ministro do Esporte, Orlando Silva, e a outras autoridades para prestarem esclarecimentos sobre os preparativos da Copa e sobre a Lei Geral da Copa no Senado Federal. O requerimento foi aprovado pela Comissão de Fiscalização e Controle da casa.

Orlando Silva já adiantou que aceitará prestar esclarescimentos e que pretende ter uma reunião com a presidente Dilma Rousseff sobre o assunto. Como é um convite, Ricardo Teixeira pode recusá-lo.

De acordo com Rodrigues, a Lei Geral da Copa fere a soberania nacional porque anula artigos do Estatuto do Torcedor.

- A Lei Geral da Copa é o maior acinte à soberania nacional de todos os tempos. É uma imposição indevida, com a suspensão de mais de 14 artigos do Estatuto do Torcedor. Uma grande conquista da legislação esportiva brasileira que fica suspensa para atender às vaidades da Fifa (Federação Internacional de Futebol).

O senador citou dois exemplos: a venda de bebidas em estádios e a criminalização do uso de imagens e logomarcas relacionadas aos jogos.

- O estatuto tem uma cláusula que proíbe a comercialização de bebidas nos estádios onde ocorram eventos esportivos. Esse artigo foi suspenso pela Lei Geral da Copa, e fica permitida venda da cerveja patrocinadora da Fifa. Além disso, com a aprovação da Lei Geral da Copa, o brasileiro fica proibido de celebrar. Se ele pintar um muro com Brasil 2014, pode responder a um processo movido pela Fifa, que pode resultar em detenção de dois a três meses e multa. É uma imposição que criminaliza uma celebração do brasileiro.

Apesar de o requerimento citar especificamente os atrasos nas obras e a Lei Geral da Copa, o senador não descarta que Ricardo Teixeira seja questionado sobre outros assuntos.

- Não tenha dúvida [que abordaremos outros temas como denúncias contra Ricardo Teixeira]. Nós queremos chamar o Ricardo Teixeira para vir aqui e espero que o requerimento seja aprovado pelo conjunto dos senadores e queremos que ele esclareça as outras denúncias que pesam sobre ele.

Além de Ricardo Teixeira, o requerimento convida o presidente da Câmara de Infraestrutura da Copa do Mundo, Guilherme Ramalho, a relatora especial da ONU para o direito à moradia, Raquel Rolnik, e o procurador da República e coordenador do Grupo de Trabalho da Copa do Mundo, Athayde Ribeiro Costa.

O Projeto da Lei Geral da Copa foi enviado em 19 de setembro pelo governo ao Congresso Nacional. Dá poderes à Fifa e dispõe sobre as medidas relativas a eventos esportivos internacionais vinculados à Copa do Mundo de 2014, como as responsabilidades da entidade e da União nos atos referentes às competições e eventos paralelos, a proteção de símbolos oficiais protegidos e as punições para quem falsificar produtos licenciados.

A legislação inclui normas desde o valor dos ingressos até a proteção das marcas de patrocinadores ligados à federação de futebol. No projeto está incluída também uma exigência da Fifa de proibir qualquer tipo de comércio no arredor dos estádios. Outro item determina a facilitação na concessão de vistos e permissões de trabalho para estrangeiros da Fifa ou de empresas ligadas à entidade, além de um artigo que cria punições para práticas contra as marcas oficiais do evento.

A Fifa também gostaria de ver liberada nos estádios a venda de bebidas alcoólicas, cuja cota de patrocínio é de uma cervejaria. Atualmente, o consumo nos estádios está proibido por uma decisão conjunta assinada pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério Público dos Estados e da União. Como a Lei Geral não aborda o tema, a Fifa poderá negociar com os governos estaduais a liberação.

A presidente Dilma Rousseff assinou o texto do projeto em Minas Gerais na sexta-feira (16), no evento que marcou a contagem regressiva de 1.000 dias para a partida de abertura do Mundial, em 12 de junho de 2014. A Lei Geral deve ser votada até o final do ano.

Por: Mariana Londres, do R7, em Brasília

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

sábado, 24 de setembro de 2011

COM ORGULHO E ALEGRIA, PALESTINOS CELEBRAM O DIA DA DIGNIDADE.


O orgulho e a emoção brotavam dos milhares de palestinos reunidos em Ramallah. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, dizia um membro da Autoridade Palestina. Há muitos anos que não se via palestinos tão felizes e cheios de orgulho, fazendo corpo com seu presidente. Não temos ilusões. “Sabemos que isso é só um começo, um passo curto em uma história muito longa, mas não é um passo vazio, não é um passo violento, é um passo que nos legitima, que nos faz visíveis aos olhos do mundo".


Às vezes a história atravessa as entranhas, é música, cor, bandeiras, cantos e o poema de Mahmud Darwich que o locutor da praça Al-Manara vai recitando enquanto a multidão palestina que veio escutar Mahmud Abbas apresentar, perante a ONU, o pedido de reconhecimento do Estado Palestino, celebra essas palavras feitas de amor e alento: “eu nasci aqui e meu sonho é morrer aqui”. Os cantos e a alegria se fizeram mais potentes quando os homens do palanque foram dizendo, um após outro, os nomes dos países que apoiam o Estado Palestino.

Antes, os organizadores da concentração organizada na praça central de Ramallah tinham destacado as frases mais significativas pronunciadas pelos líderes mundiais nas Nações Unidas. A da presidenta argentina dizia: “com a Palestina como Estado 194 da ONU o mundo será mais seguro e mais justo”. A Autoridade Palestina quis evitar os distúrbios, mas os jovens foram mesmo assim para as imediações do check-point de Kalandia jogar pedras nos soldados , que respondiam do lado de dentro do muro. Cenas repetidas, desproporcionais, na história destes dois povos: jovens com bodoques e pedras, soldados treinados e com armas modernas.

A sexta-feira começou com proibições. Pela rua central de Jerusalém, Jaffa Street, um grupo de israelenses manifestava-se livremente de bicicletas contra a circulação de automóveis. 600 metros abaixo, os árabes tinham restringida a passagem ao núcleo mais denso da Cidade Velha, a Esplanada das Mesquitas. Israel deslocou cerca de 22 mil homens para garantir a segurança. Entre a porta de Herodes e a de Damasco, do mesmo modo que nos outros acessos à Cidade Velha, os palestinos homens menores de 50 anos tinham a entrada proibida. “Eles controlam meu destino e minha liberdade quando tem vontade”, dizia com raiva Hamad, um habitante de Jerusalém Oriental. “Mas não importa”, acrescentou, “ninguém nos tirará o orgulho de viver esse dia”.

O orgulho e a emoção brotavam dos milhares de palestinos reunidos em Ramallah. “Este é o dia mais feliz da minha vida”, dizia um membro da Autoridade Palestina. Há muitos anos que não se via palestinos tão felizes e cheios de orgulho, fazendo corpo com seu presidente. Não temos ilusões. “Sabemos que isso é só um começo, um passo curto em uma história muito longa, mas não é um passo vazio, não é um passo violento, é um passo que nos legitima, que nos faz visíveis aos olhos do mundo, um passo que veio desde cima para dar dignidade a nós, os de baixo”, dizia Nabil, outro palestino da Praça Al Manara. Olhos cheios de lágrimas, negros, profundos, olhos que esqueceram em um instante as humilhações sofridas. Tinha vindo com as chaves da casa na qual viviam seus avós, expulsos de suas terras pela ocupação israelense. Só lhe tinha sobrado isso, mas saltava como uma criança com as chaves na mão.

O governo de Benjamin Netanyahu fez previsões dramáticas. Antecipou mortos, brigas populares, piquetes, levantes e distúrbios que, em grande medida, não ocorreram. “Este é o dia da verdade e não o dia da violência”, repetiam os dirigentes da Autoridade Palestina. O Executivo israelense insistiu nesse discurso: os palestinos sempre foram, são e serão uma ameaça para a segurança de Israel. Não ocorreu o esperado. A Autoridade Palestina também se meteu no jogo e agiu para aplacar os excessos. Era um dia de dignidade e não para a morte. Mas houve uma: Issam Kamal Odeh, um palestino de 35 anos que protestava com um grupo de 400 pessoas na localidade de Qusra, ao norte dos territórios, em Naplusa. Os colonos da zona provocaram o enfrentamento. Montaram uma contra-manifestação para defender a propriedade desse território. Palestinos e colonos se enfrentaram a pedradas. O exército israelense abriu fogo e Issam Kamal Odeh caiu nessa refrega.

O oficialismo evidente dos festejos de Al Manata, praça rebatizada Praça Arafat, não mascarou a autenticidade das expressões de alegria. O chamado “dia da verdade” foi paradoxal. As pessoas terminaram gritando o nome de seu presidente, Mahmud Abbas, mas este dirigente seco, sem encantos nem muito carisma, também arrasta um déficit de legitimidade democrática substancial. Ontem subiu ao céu do reconhecimento. Os palestinos gritaram seu nome, junto ao nome de Arafat. Façanha de um instante que ainda não garante o caminho da paz, nem tampouco o duro trabalho da reconciliação palestina entre as lideranças da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, controlada pelos fundamentalistas do Hamas. O Hamas se opõe a tudo, começando pelo pedido de reconhecimento do Estado Palestino na ONU e terminando pela própria existência de Israel.

O Hamas quase não existe na Cisjordânia. A polícia secreta palestina segue-os de perto, não os deixa falar nem existir. Mahmud Abbas e o primeiro ministro de Gaza, Ismail Haniyé, estão separados por um abismo, que não é só político, mas também territorial: Gaza fica do lado oposto ao da Cisjordânia. Há duas palestinas que precisam ser unidas.

Mas a ilusão de uma terra reconhecida, o espaço que o tema palestino ocupou rapidamente na comunidade internacional, a maioria esmagadora de países que apoia o Estado Palestino, tudo isso deixou uma sensação de novo amanhecer, de perspectiva tangível. Orgulho e alegria sem enganos, alegria lúcida, como as palavras de Mahmud Anhel, um comerciante palestino de 50 anos que saltava e cantava com sua mulher e seus filhos na Praça Arafat: “o que mais podemos fazer, tínhamos o futuro bloqueado e agora surgiu isso, quase nossa única solução. É emocionante e importante. Admito e admitimos que talvez o fracasso nos aguarde, mas isso é novo como a água fresca, novo e diferente”.

Qais Abu, outro palestino da praça, mais jovem e combativo, dizia, com uma bandeira palestina na mão e um retrato de Mahmud Abbas na outra: “sabe que o mundo se deu conta de coisa com essa história da ONU. Todos falam e falam de Nova York da liberdade, liberdade daqui, liberdade de lá, mas o único povo que não a tem é o nosso porque vivemos sob ocupação. Se isso ficar claro teremos ganho um século de reconhecimento sem disparar um só tiro”.

Já é tarde, Agora, Jerusalém oriental também festeja, atravessando a meia noite. Carros com frondosas bandeiras palestinas circulam pela cidade, na artéria que circunda a Cidade Velha. O mesmo grito se repete a cada automóvel, como um eco ressoando no coração da noite de Jerusalém Oriental: “Palestina Livre”. Um sonho. Uma esperança. Uma condição para, enfim, viver em paz.

Eduardo Febbro - Direto de Jerusalém e Ramallah, na Cisjordânia
Fonte: Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

1 BILHÃO DE PESSOAS POR DIA SÃO ATINGIDAS PELA FOME NO MUNDO


O mundo produz comida suficiente para alimentar seus quase 7 bilhões de habitantes, mas a cada dia um bilhão de homens, mulheres e crianças vão dormir com fome, informa a Federação Internacional da Cruz Vermelha (FICV).
A FICV apresentou nesta quinta-feira seu relatório sobre desastres mundiais, que analisa as causas da fome e localiza este problema principalmente em áreas rurais da África Subsaaariana e na região da Ásia Pacífico, embora o número de famintos nas cidades esteja crescendo.
O documento adverte que os países ricos também não escapam à fome e que é improvável que se alcance o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estipulados pela ONU, que seria reduzir pela metade o número de pessoas que passam fome e vivem na extrema pobreza.
A Cruz Vermelha destaca o desequilíbrio que existe no mundo, onde um bilhão de pessoas em situação de desnutrição crônica convivem com 1,5 bilhão de pessoas sobrealimentadas.
As crianças são os principais afetados pela distribuição deficiente dos recursos, com 9 milhões de mortes anuais antes de alcançar os cinco anos de idade.
Atualmente, 178 milhões de crianças na faixa de idade entre zero e cinco anos sofrem problemas de crescimento por uma deficiência na alimentação, um problema que começa no seio materno causando a metade das mortes de crianças menores de dois anos.
O relatório afirma que as causas da fome e desnutrição são complexas e incluem desde a fala de investimento agrícola até a mudança climática, passando pela inconstância nos preços dos combustíveis e a especulação com as matérias-primas.
"Mas uma das causas mais nocivas é a discriminação de gênero. Se estima que 60% das pessoas desnutridas no mundo sejam mulheres, e em alguns países as meninas têm o dobro de probabilidade que os meninos de morrer por causa da desnutrição e de doenças infantis que poderiam ser prevenidas", acrescenta.
A FICV pede aos Governos que desenvolvam planos de ação para enfrentar este grave problema e substituir o esquema de ajuda alimentícia pelo de transferência de capital, que poderia potencializar a criação de empregos e a geração de renda.
De acordo com o documento, a população mais vulnerável deve ter tratamento prioritário, ou seja, os menores de cinco anos e as mulheres grávidas. O relatório reconhece também que aumentar os recursos não é suficiente "devido à corrupção e ao desperdício, algo que é mais recorrente em governos agrícolas".
Os Governos devem investir mais em pesquisa e deixar de considerar que os produtores são somente homens, para evitar o círculo vicioso que condena o dobro de mulheres.
O relatório também critica "a hipocrisia das massivas intervenções estatais por parte da União Europeia, Estados Unidos e Japão para conceder enormes subsídios nacionais para a proteção de seus próprios agricultores".
A FICV reforça a necessidade de conhecer melhor o alcance e o impacto da desnutrição e da fome no mundo, já que há suspeitas de que em alguns países os números requisitados pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) não refletem a realidade.
De acordo com algumas pesquisas, o número de pessoas que sofrem de fome poderia ser até um terço maior que a informação da FAO. Por isso, a FICV pede "uma base de dados aberta sobre a agricultura e a alimentação".

Fonte: Agência EFE

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

AS CONSEQUËNCIAS PARA O MUNDO DO DECLÍNIO DOS EUA


Hoje, a opinião de que os Estados Unidos estão em declínio, em sério declínio, é uma banalidade. Todos o dizem, excepto uns poucos políticos norte-americanos que temem ser recriminados pelas más notícias da decadência se forem discuti-la. O fato é que hoje quase todos acreditam na realidade do declínio.

Mas o que se discute muito menos é quais têm sido e serão as consequências mundiais deste declínio. Este tem, evidentemente, raízes econômicas. Mas a perda de um quase-monopólio do poder geopolítico, que os Estados Unidos já exerceram, tem as mais importantes consequências políticas em todo o lado.

Comecemos com uma pequena história contada na secção de negócios do The New York Times de 7 de agosto. Um gerente financeiro de Atlanta “carregou no botão pânico” devido a dois clientes que lhe ordenaram que vendesse todas as suas ações e investisse o dinheiro num isolado fundo mútuo. O gerente disse que, em 22 anos como agente de negócios, nunca tinha recebido uma ordem como esta. “Isto não tinha precedentes”. O jornal observou que a ordem era o equivalente à “opção nuclear”. Ia contra o santificado conselho tradicional de uma “abordagem ponderada” às reviravoltas do mercado.

A Standard & Poor's reduziu o rating dos Estados Unidos de AAA para AA+, o que também é “sem precedentes”. Mas tratou-se de uma ação bastante suave. A agência equivalente na China, a Dagong, já tinha reduzido a notação financeira, em novembro passado, para A+, e agora reduziu-a para A-. O economista peruano Oscar Ugarteche declarou que os Estados Unidos são uma “República das bananas”. Disse que os EUA “optaram pela política da avestruz, esperando com isso não afugentar as esperanças [de melhoria].” Reunidos em Lima, os ministros das Finanças da América do Sul tiveram um debate urgente sobre como se protegerem melhor dos efeitos do declínio econômico dos EUA.

O problema de todos é que é muito difícil isolar-se destes efeitos. Apesar da severidade do seu declínio econômico e político, os Estados Unidos permanecem um gigante na cena mundial, e qualquer coisa que lá aconteça ainda provoca grandes ondas em todo o lado.

É certo que o maior impacto do declínio dos EUA é e continuará a ser sofrido nos próprios Estados Unidos. Políticos e jornalistas estão a falar abertamente da “desfuncionalidade” da situação política dos EUA. Mas o que mais poderia ser, além de desfuncional? O fato mais elementar é que os cidadãos dos EUA estão atordoados pela simples existência do declínio.

Não se trata apenas de os cidadãos dos EUA estarem sofrendo materialmente com o declínio, e terem um temor profundo de virem a sofrer ainda mais com o tempo. A questão é que acreditavam profundamente que os Estados Unidos são a “nação escolhida”, designada por Deus ou pela história para ser a nação modelo do mundo. Ainda estão a receber a garantia do presidente Obama de que os Estados Unidos são um país AAA.

O problema para Obama e para todos os políticos é que muito pouca gente ainda acredita nisso. O choque para o orgulho nacional e a auto-imagem é formidável, e também é muito abrupto. O país está lidando muito mal com esse choque. A população está à procura de bodes expiatórios e a fustigar feroz e não muito inteligentemente os presumíveis culpados. A última esperança parece ser a de alguém ser culpado, e o remédio mudar as pessoas que têm autoridade.

Em geral, as autoridades federais são vistas como as únicas responsáveis –o presidente, o Congresso, os dois maiores partidos. A tendência é muito forte no sentido de haver mais armas a nível individual e uma redução do envolvimento militar fora dos Estados Unidos. Culpar de tudo os políticos de Washington leva à volatilidade política e a lutas intestinas locais cada vez mais violentas. Eu diria que os Estados Unidos são hoje uma das menos estáveis entidades políticas no sistema-mundo.

Isso faz dos Estados Unidos não só uma nação cujas lutas políticas são desfuncionais, mas também um país incapaz de exercer muito poder real no cenário mundial. Assim, há uma grande queda na credibilidade dos Estados Unidos e do seu presidente por parte de tradicionais aliados externos, e por parte da base política doméstica do presidente. Os jornais estão cheios de análises dos erros políticos de Barack Obama. Quem pode contradizê-los? Eu poderia fazer facilmente uma lista de dezenas de decisões de Obama que, na minha opinião, estavam errados, foram covardes, e às vezes francamente imorais. Mas pergunto-me: se ele tivesse decidido de acordo com o que pensa a sua base, o resultado teria sido muito diferente?

O declínio dos Estados Unidos não é o resultado de más decisões do seu presidente, mas de realidades estruturais no sistema-mundo. Obama pode ser ainda o indivíduo mais poderoso do planeta, mas nenhum presidente dos Estados Unidos é ou poderia ser hoje tão poderoso quanto os presidentes do passado.

Entrámos numa era de agudas, constantes e rápidas flutuações – nas taxas de câmbio da moeda, nos índices de emprego, nas alianças geopolíticas, nas definições ideológicas da situação. A extensão e a rapidez destas flutuações leva à impossibilidade de previsões a curto prazo. E sem alguma estabilidade razoável das previsões de curto prazo (três anos ou mais), a economia-mundo paralisa-se. Todos terão de ser mais protecionistas e virados para dentro. E os padrões de vida vão cair. Não é uma imagem bonita. E, embora haja muitos, muitos aspectos positivos para muitos países devido ao declínio dos EUA, não é certo que, com o barco do mundo a balançar ferozmente, outros países sejam de facto capazes de lucrar aquilo que esperam desta nova situação.

É tempo de fazer análises de longo prazo muito mais sóbrias, de fazer julgamentos morais muito mais claros sobre o que a análise revela, e de realizar uma ação política muito mais eficaz no esforço de, nos próximos 20-30 anos, criar um sistema-mundo melhor do que aquele em que estamos todos enredados hoje.

Por: Immanuel Wallerstein - Esquerda.net
(*) Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

domingo, 11 de setembro de 2011

HOMENAGEM AO POVO MUÇULMANO


No dia 11 de setembro de 2011, o BLOG DO JOÃO, presta homenagem aos milhares de Afegãos, Iraquianos e Palestinos, exterminados pelos Estados Unidos.
A mídia força a maioria da população mundial a lembrar apenas as vitimas do Word Trade Center e tenta apagar da história os milhões de seres humanos assassinados pelos norte americanos.

LUCROS DE 11 SETEMBRO


Hoje comemora-se 10 anos em que o oriente deu uma resposta a altura do que os EUA vem fazendo há muito tempo com o planeta.
Matando seres humanos em guerras sem sentido, com o único motivo de dominar o planeta, roubando e saqueando as riquezas dos dominados.
Sinceramente, hoje este BLOG comemora 11 de setembro, solidarizando-se com todo o povo Muçulmano, principalmente os Palestinos, Iraquianos e Afegãos, que tantos filhos perderam por conta da loucura de um império que esperamos em breve estar em ruínas.

Abaixo matéria de Marco Aurélio Weissheimer.

MATEMÁTICA MACABRA DE 11 DE SETEMBRO.

O mundo se tornou um lugar mais seguro, dez anos depois dos atentados de 11 de setembro e da “guerra ao terror” promovida pelos Estados Unidos para se vingar do ataque? A resposta de Washington ao ataque contra o World Trade Center e o Pentágono engendrou duas novas guerras – no Iraque e no Afeganistão – e uma contabilidade macabra. Para vingar as mais de 2.900 vítimas do ataque, mais de 900 mil pessoas já teriam perdido suas vidas até hoje. Os números são do site Unknown News, que fornece uma estatística detalhada do número de mortos nas guerras nos dois países, distinguindo vítimas civis de militares. A organização Iraq Body Count, que usa uma metodologia diferente, tem uma estatística mais conservadora em relação ao Iraque: 111.937 civis mortos somente no Iraque.

Seja como for, a matemática da vingança é assustadora: para cada vítima do 11 de setembro, algumas dezenas (na estatística mais conservadora) ou centenas de pessoas perderam suas vidas. Em qualquer um dos casos, a reação aos atentados supera de longe a prática adotada pelo exército nazista nos territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial: executar dez civis para cada soldado alemão morto. Na madrugada do dia 2 de maio, quando anunciou oficialmente que Osama Bin Laden tinha sido morto, no Paquistão, por um comando especial dos Estados Unidos, o presidente Barack Obama afirmou que a justiça tinha sido feita. O conceito de justiça aplicado aqui torna a Lei do Talião um instrumento conservadora. As palavras do presidente Obama foram as seguintes:

"Foi feita justiça. Nesta noite, tenho condições de dizer aos americanos e ao mundo que os Estados Unidos conduziram uma operação que matou Osama Bin Laden, o líder da Al Qaeda e terrorista responsável pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças."

O conceito de justiça usado por Obama autoriza, portanto, a que iraquianos e afegãos lancem ataques contra os responsáveis pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças. E provoquem outras milhares de mortes. E assim por diante até que não haja mais ninguém para ser morto. A superação da Lei do Talião, cabe lembrar, foi considerada um avanço civilizatório justamente por colocar um fim neste ciclo perpétuo de morte e vingança. A ideia é que a justiça tem que ser um pouco mais do que isso.

Nem tudo é dor e sofrimento
Mas a história dos dez anos do 11 de setembro não se resume a mortes, dores e sofrimentos. Há a história dos lucros também. Gordos lucros. Uma ótima crônica dessa história é o documentário “Iraque à venda. Os lucros da guerra”, de Robert Greenwald (2006), que mostra como a invasão do Iraque deu lugar à guerra mais privatizada da história: serviços de alimentação, escritório, lavanderia, transporte, segurança privada, engenharia, construção, logística, treinamento policial, vigilância aérea...a lista é longa. O segundo maior contingente de soldados, após as tropas do exército dos EUA, foi formado por 20 mil militares privados. Greenwald baseia-se nas investigações realizadas pelo deputado Henry Waxman que dirigiu uma Comissão de Investigação sobre o gasto público no Iraque.

Parte dessa história é bem conhecida. A Halliburton, ligada ao então vice-presidente Dick Cheney, recebeu cerca de US$ 13,6 bilhões para “trabalhos de reconstrução e apoio às tropas. A Parsons ganhou US$ 5,3 bilhões em sérvios de engenharia e construção. A Dyn Corp. faturou US$ 1,9 bilhões com o treinamento de policias. A Blackwater abocanhou US$ 21 milhões, somente com o serviço de segurança privada do então “pró-Cônsul” dos EUA no Iraque, Paul Bremer. Essa lista também é extensa e os números reais envolvidos nestes negócios até hoje não são bem conhecidos. A indústria da “reconstrução” do Iraque foi alimentada com muito sangue, de várias nacionalidades. Os soldados norte-americanos entraram com sua quota. Até 1° de setembro deste ano, o número de vítimas fatais entre os militares dos EUA é quase o dobro do de vítimas do 11 de setembro: 4.474. Somando os soldados mortos no Afeganistão, esse número chega a 6.200.

A matemática macabra envolvendo o 11 de setembro e os Estados Unidos manifesta-se mais uma vez quando voltamos a 1973, quando Washington apoiou ativamente o golpe militar que derrubou e assassinou o presidente do Chile, Salvador Allende. Em agosto deste ano, o governo chileno anunciou uma nova estatística de vítimas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990): entre vítimas de tortura, desaparecidos e mortos, 40 mil pessoas, 14 vezes mais do que o número de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001. Relembrando as palavras do presidente Obama e seu peculiar conceito de justiça, os chilenos estariam autorizados a caçar e matar os responsáveis pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças.

Assim como no Iraque, nem tudo foi morte, dor e sofrimento na ditadura chilena. Com a chancela da Casa Branca e a inspiração do economista Milton Friedman e seus Chicago Boy’s, Pinochet garantiu gordos lucros para seus aliados e para si mesmo também. Investigadores internacionais revelaram, em 2004, que Pinochet movimentava, desde 1994, contas secretas em bancos do exterior no valor de até US$ 27 milhões. Segundo um relatório de uma comissão do Senado dos EUA, divulgado em 2005, Pinochet manteve elos profundos com organismos financeiros norte-americanos, como o Riggs Bank, uma instituição de Washington, além de outras oito que operavam nos EUA e em outros países. Segundo o mesmo relatório, o Riggs Bank e o Citigroup mantiveram laços com o ditador chileno durante duas décadas pelo menos. Pinochet, amigos e familiares mantiveram pelo menos US$ 9 milhões em contas secretas nestes bancos.

Em 2006, o general Manuel Contreras, que chefiou a Dina, polícia secreta chilena, durante a ditadura, acusou Pinochet e o filho deste, Marco Antonio, de envolvimento na produção clandestina de armas químicas e biológicas e no tráfico de cocaína. Segundo Contreras, boa parte da fortuna de Pinochet veio daí.

Liberdade, Justiça, Segurança: essas foram algumas das principais palavras que justificaram essas políticas. O modelo imposto por Pinochet no Chile era apontado como modelo para a América Latina. Os Estados Unidos seguem se apresentando como guardiões da liberdade e da democracia. E pessoas seguem sendo mortas diariamente no Iraque e no Afeganistão para saciar uma sede que há muito tempo deixou de ser de
vingança.

Marco Aurélio Weissheimer
Fonte: Carta Maior

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

WASHINGTON PROMOVEU UMA "OPERAÇÃO CONDOR" MUNDIAL


Nos 10 anos transcorridos desde os atentados do 11 de setembro, Washington desencadeou uma “Operação Condor estadunidense” em escala global, promovendo guerras contra vários países, supressão da dissidência interna, espionagem doméstica e anulação de garantias constitucionais, liberdades civis e direitos humanos, resume o advogado de direitos constitucionais Michael Ratner. Os EUA mudaram de uma maneira fundamental desde o 11 de setembro. Jamais teria previsto isso, diz Ratner em entrevista ao La Jornada para abordar o décimo aniversários dos atentados e seus efeitos sobre as liberdades e direitos nos Estados Unidos.

O presidente do Centro para Direitos Constitucionais (CCR) e reconhecido advogado internacional por enfrentar casos de violações de direitos humanos e de liberdades civis por parte do governo dos EUA em tribunais estrangeiros e nacionais, incluindo a Suprema Corte, afirma: “O próprio caráter do país mudou com as pessoas comuns aceitando as violações de suas liberdades pelo governo, as violações do direito internacional e da nossa própria Constituição. Aceitaram também que o governo pudesse espionar qualquer um sem autorização judicial, tudo sob a justificação oficial da ‘guerra contra o terrorismo’ Jamais teria antecipado tudo isso antes do 11 de setembro”.

Ratner acrescenta de modo incisivo: culpo George W. Bush por impulsionar tudo isso, mas também culpo Barack Obama por continuar todo o processo.

A resposta do governo ao ataque de 11 de setembro, qualificando-o como um ato de guerra e não criminal mudou o panorama interno e externo. “Assim que Bush fez seu discurso sobre as ‘cruzadas’ poucos dias depois do 11 de setembro, algo que estava carregado de um tremendo significado para muçulmanos e cristãos, sabia-se que o atentado seria tratado como um ato de guerra, com o que o governo assumiria poderes muito maiores dos que tinha para perseguir e deter pessoas no estrangeiro, assim como para promover a espionagem doméstica, tudo como se fosse uma guerra”, explicou Ratner.

Para Ratner, um aspecto desta guerra é o que denomina “Operação Condor estadunidense”, e explica: “É essencialmente o que fez Pinochet, mas de um modo muito mais amplo, capturando pessoas em qualquer esquina do mundo sem ordem ou processo judicial para colocá-las em centros de detenção clandestinos no mundo, não somente em Guantánamo, mas também na Romênia, Polônia, Lituânia, Tailândia, além de prisões especiais no Afeganistão. Isso está caracterizado pela captura de pessoas em qualquer parte do mundo e, depois de mantê-las incomunicáveis, sob Bush, torturá-las e encarcerá-las por tempo indefinido. E se chegam a ir a julgamento, isso ocorre diante de um tribunal militar.

“Tudo isso era condenado pelos Estados Unidos quando ocorria em outros países. Antes do 11 de setembro, condenavam os tribunais militares no Peru, na África” e outras medidas de segurança extra-legais, mas agora era o caso de perguntar se os EUA estavam se tornando um Estado policial.
Obama continuou quase tudo que foi iniciado por Bush, talvez com exceção da tortura extrema. As primeiras medidas implementadas depois do 11 de setembro tornaram-se uma vasta parte permanente do nosso panorama legal. Na minha avaliação, perdemos os valores fundamentais do século das luzes em torno dos direitos individuais que devem ser assegurados em todo processo judicial.

Ratner assinala ainda que Obama, apesar de suas promessas de acabar com esses elementos do que chama Operação Condor estadunidense, segue mantendo hoje cerca de 170 pessoas presas em Guantánamo e em outros centros de detenção do mundo, continua com algumas técnicas de interrogatório – ainda que tenha suspendido o afogamento simulado, ou waterboarding – e com a perseguição de todo indivíduo suspeito de ser terrorista em qualquer parte do planeta. Mas, talvez o pior, argumenta Ratner, é que Obama não fez ninguém prestar contas pelo que ocorreu, sobretudo em relação à tortura. “Então, agora temos gente como (George W.) Bush escrevendo em suas memórias que, sim, ordenou o waterboarding e que o faria de novo. Se o próximo presidente desejar fazê-lo, estará liberado porque não houve uma fiscalização de ninguém sobre os programas de tortura. Não fazer com que prestassem contas é um fracasso real...não deixar claro que o uso da tortura não é uma opção legítima para nenhum governo”.

Ao mesmo tempo, Ratner diz que deve se enfatizar que estes esforços de captura, detenção e interrogatório não foram realizados contra cristãos. Ninguém encontrará um cristão fundamentalista em Guantánamo, posso garantir, e isso tem a ver com a animosidade contra os muçulmanos neste país. Ele lembra que, entre as primeiras medidas depois do 11 de setembro, estiveram as batidas policiais massivas contra muçulmanos dentro do país, com gente agredida e tratada como se fosse terrorista. O governo ordenou o registro de todos os homens muçulmanos entre 18 e 25 anos de idade originários primeiro de nove países e depois de 19. Ainda que estas medidas tenham sido suspensas, demonstram que os muçulmanos são uma população altamente suspeita no país, o que prossegue e é muito difícil de superar.

A maioria dos muçulmanos não cidadãos foi deportada, e o CCR está representando alguns deles, e também vários dos detidos em Guantánamo.

No que diz respeito ao controle interno depois do 11 de setembro, Ratner lembra a implementação do Patriot Act, que permite, entre outras coisas, que o governo possa conseguir toda a informação que quiser sobre mim ou você, como também adotar medidas de vigilância e/ou espionagem doméstica, o uso de informantes no interior de agrupações sociais e outras medidas para a supressão de protestos. O que está ocorrendo no Oriente Médio e na América do Sul (como no caso do Chile) são protestos massivos, e há medo de que isso ocorra aqui. O que se vê então é que o governo dos EUA está se preparando para a repressão real, com infiltração de agentes em grupos não violentos, uso de provocadores, detenções, etc., comenta ainda o advogado.

Ratner acaba de publicar outro livro, este sobre a supressão dos protestos massivos nos Estados Unidos, intitulado “Hell No: the right to dissent in 21st Century America”.

Em contrapartida, nestes últimos dez anos, estamos travando mais guerras que em qualquer outro momento de minha vida (Iraque, Afeganistão, Paquistão, Líbia, Yemen, Somália, entre outras), diz. Um resultado do 11 de setembro são guerras sem fim, juntamente com mais poder para o Executivo. Obama entrou na guerra da Líbia, por exemplo, sem autorização do Congresso. E este paradigma de guerra, ainda que não se esteja em uma zona de guerra, permite que os EUA ataquem quem quiser no mundo já que “afirma seu direito de matar qualquer suspeito de terrorismo em qualquer parte do mundo, com um drone (avião não tripulado) ou de outra maneira, como o assassinato. Os drones te permitem matar com impunidade”.

Ante um panorama tão desolador, La Jornada perguntou a Ratner que sinais de esperança ele percebe. “Duas das tendências mais importantes que temos visto no mundo hoje são, primeiro, as manifestações massivas, e, segundo, Wikileaks”. Quanto a esta, afirma que “Wikileaks minou a maneira pela qual nos entregam as notícias esvaziadas de certos fatos reais”. O fato de que o governo já não consegue proteger essa informação e esses sistemas de controle levará, claro, a mais repressão, mas, ao mesmo tempo, é um respiro impressionante de ar puro e de esclarecimento sobre como operam nossos governos, desde o Haiti até a Espanha, passando pelo tema da tortura e tantos outros, causando fissuras no controle oficial”. Ratner participa da equipe de representação legal do Wikileaks. “São impressionantes as mudanças que ocorreram nos governos e também na mídia por causa de Wikileaks”, afirma.

Sobre as mobilizações sociais, diz que há algo ocorrendo agora, no sentido de que cada vez mais gente deseja ter maior controle sobre suas vidas e ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. Mas há dois anos eu estava no Cairo, há um ano e meio, e era um dos lugares mais reprimidos, havia um silêncio tremendo. Não há mais.

David Brooks – La Jornada
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior

A QUEM INTERESSA A DIVISÃO DO PARÁ


A divisão do Pará em três será objeto de inédito plebiscito organizado pela Justiça Eleitoral. Mas a quem interessa? No balanço entre vencedores e perdedores, todos ficam com menos e quem paga a conta é o governo federal - ou seja, o contribuinte. Se forem criados, Carajás e Tapajós vão custar aos cofres públicos pelo menos 9 bilhões de reais só para manter a administração dos estados.
Marabá, a virtual capital de Carajás, está no topo da lista dos homicídios. Pelos dados mais recentes do Ministério da Justiça, é, proporcionalmente, a quarta cidade mais violenta do país. Foram 250 assassinatos em 2008 - 125 mortes para cada 100.000 habitantes. Tapajós, ainda que mais tranquilo, seria o segundo estado mais pobre do Brasil, com um Produto Interno Bruto (PIB) de 6,4 bilhões de reais - atrás apenas de Roraima.
Os separatistas dizem que os brasileiros que vivem ao sul não compreendem a realidade da região e que ali estão duas terras prometidas. Para comprovar a tese, usam como argumento a criação de Tocantins. Esquecem que se trata do quarto estado mais pobre do país.
Encargos - Marcado para dezembro, este será o primeiro plebiscito para definir uma separação estadual. As regras podem ainda não estar claras, mas é certo que novos cargos e encargos vão surgir. E junto, toda uma revigorada classe política, que inclui mais seis vagas para o Senado, dezesseis para a Câmara e 48 para as assembléias estaduais.
A consulta, prevista para dezembro, irá abranger todo o estado. No passado, a criação de estados era decisão estrita do poder central e sujeita aos ventos políticos. Foi assim em 1989, quando Tocantins foi desmembrado de Goiás. Então presidente, José Sarney aproveitou a promulgação da Constituição de 1988, que transformava os territórios federais em estados, para encaixar o mais novo estado da federação. Já o desmembramento do Mato Grosso do Sul do Mato Grosso, em 1979, foi um ato da ditadura militar.
Os favoráveis à tripartição, como o deputado Giovanni Queiroz, queria que a escolha fosse local. Não é o que pensa a professora de direito constitucional e eleitoral da Universidade de São Paulo (USP), Mônica Herrman Taggiano. “É bobagem segmentar a discussão. O estado inteiro deve participar, porém, por tradição, estas decisões são casuísticas e políticas”, disse.
Conflitos agrários – Os dois novos estados se sustentariam com a exportação de minérios e grãos e, claro, de gordos repasses federais. Se há riqueza no subsolo e possibilidades de exploração econômica da floresta, sobram conflitos agrários e desmatamentos ilegais. Com uma economia que o coloca em 16º no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) dos estados, é no Pará que o convívio entre desiguais é resolvido na bala. No último mês, cinco ambientalistas foram assassinados em emboscadas.
Em Carajás, a campanha pela separação já está nas ruas. Um dos líderes do movimento, o deputado e pecuarista Giovanni Queiroz (PDT), desconversa sobre ser candidato antecipado a primeiro governador. Porém, a todo instante cita José Wilson Siqueira Campos, atual governador e articulador da criação do estado de Tocantins: “Quem sabe um dia eu seja como ele”.
A presença das jazidas da Vale é uma poderosa justificativa para o desejo de autonomia carajaense. Os recursos dos impostos não seriam diluídos com outras áreas mais populosas próximas de Belém, onde vive mais da metade da população do estado. Porém, trata-se de um modelo concentrador por natureza, já que a mineração exige capital intensivo. Ou seja, lucra muito, mas exige pesados investimentos.
O PIB per capita de 12.500 reais de Carajás não se reflete na população. Em Marabá, 42% dos moradores vivem abaixo da linha de pobreza e o estado teria uma economia equiparável com Alagoas e Sergipe, respectivamente em 20º e 21º lugar no Brasil.
Em ambas as regiões, mesmo com a criação de novos empregos, a falta de mão- de- obra especializada obrigaria o deslocamento de 300 000 pessoas, para atuar no nascente funcionalismo público, estima o professor da Universidade Federal do Pará (UF-PA), Roberto Corrêa.
Carajás seria pobre, mas não deficitário. Já Tapajós, estado que muito bem poderia se chamar Belo Monte, em homenagem à hidrelétrica, a dependência do dinheiro federal seria uma questão de sobrevivência. O custeio da máquina pública ali sugaria mais da metade da economia.
Isolada geograficamente, a principal cidade é Santarém, a 800 quilômetros de Belém. Ali, a aposta econômica é na exportação de grãos pelo porto de grande calado da Cargil, que escoa a produção do Centro-Oeste. Aberta pelo militares, a pavimentação da estrada só deve terminar em 2013. “Sempre fomos isolados. Agora temos meios de viver por nós”, diz o deputado Lira Maia (DEM), que lidera o movimento pela independência.
Quem está em uma situação delicada é o governador Simão Jatene (PSDB). Ele optou pelo papel de mediador pensando no futuro. Se o plebiscito englobar o Pará inteiro e a tripartição sair derrotada, Jatene perderia capital político nas regiões separatistas caso se declare contra.
Se a separação vencer, teria mais dois estados para disputar eleições e passaria para seu sucessor um Pará menor, mais fácil de administrar e abastecido pelo retorno de impostos de exportações. Não há garantia de nada. Uma redução no valor das commodities de exportação, em especial ferro e bauxita, jogaria tudo por terra. Ainda restariam as motosserras.

Fonte: Revista Veja 19/06/2011.